COLUNA TEXTOS & TEXTOS
INSETO
(*) Geraldo Lima
Um
inseto escala atônito o vidro da porta que dá para a sacada. Ele sobe, ágil e
aflito, para dar em lugar algum; depois desce, até topar com o limite do piso,
e então se apavora, ameaça um voo ao mesmo tempo em que emite um som forte, de
motor ligado, mas querendo falhar. Sobe de novo, movendo agilmente suas pernas
longas e finas.
Poderia
ser Gregor Samsa [protagonista da novela A metamorfose, de Franz Kafka] já de
posse do domÃnio completo das suas perninhas, mas o inseto em que ele se
transformou não tem asas: suas "costas duras como couraça" [num primeiro momento] não lhe
permitiriam subir leve e rápido assim pelo vidro. O desespero pode ser o mesmo
do personagem de Kafka, tentando escapar do quarto e do pesadelo em que se vê
preso. Esse zumbido pode ser o mesmo da voz que Gregor Samsa tenta articular
para se comunicar [em vão] com seus familiares. Não sei que inseto é este. Não
é uma mosca [se for, é gigante], tampouco um marimbondo [me parece rechonchudo
demais]. Um tipo de vespa, será?
Agora se meteu entre o vão de um vidro e outro, mas
sem chance de encontrar uma saÃda: a porta está semifechada e por ali não há
passagem. Diferentemente dos que cercam o Gregor-inseto, devo ajudá-lo a
escapar desse espaço liso e, provavelmente, infinito a partir da sua ótica de
inseto. Depois de ler Kafka, essa visão do ser [seja ele qual for] encalacrado
nos labirintos do absurdo nos parece intolerável.
(*) Fonte: Geraldo Lima (foto) é escritor, dramaturgo, roteirista e
colabora com o Jornal de Sobradinho.
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