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COLUNA TEXTOS & TEXTOS por Geraldo Lima



Balbucio


(*) Geraldo Lima

Está diante dela, mas é como se estivesse diante de uma estátua de mármore. De um iceberg. De um monumento erigido à indiferença humana.

Não fosse o poder de atração que ela exerce sobre ele, com uma força descomunal, incompreensível até, viraria as costas à sua frieza e partiria sem ao menos dizer adeus.
É um vício, ele pensa, o que me ata a essa mulher. Fraqueza e desapego a mim memo. O que era amor, algo que fruía tranquilo, virou doença, praga, infecção, ruína dos sentimentos.

O esforço, que lhe custa muita energia, é para não cair de joelhos aos seus pés. Não se desmanchar em lágrimas também. Curvar-se mais do que já se curvou é renunciar a toda dignidade. Manter-se de pé é ainda um trunfo.

Vai, no entanto, numa última tentativa, num rasgo de puro desespero, dizer que a ama, que há uma faca rasgando-lhe o peito, um pus alastrando pelo corpo todo. É seu último gesto de entrega, de abandono completo das forças, do brio, da alma, e se lança para fora de si mesmo, íntegro, exposto ao extremo, mas as palavras apenas escorregam pela borda dos lábios e tombam no vazio.

(*) Geraldo Lima é professor, escritor, dramaturgo , roteirista e colabora com o Jornal de Sobradinho.


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