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Passagem


*Joel Pires

Morri quando tinha apenas dezoito anos. A vida transcorreu-me pela memória como paisagem na janela do trem. Sentado, via tudo passar. Apenas os olhos esboçavam movimento, já cansados. As imagens invadiam-me a retina como registros imperfeitos de tudo o que estava lá fora. Difusos, os dias confundiam-se com as noites. As estações foram ficando para trás. As pessoas embaralhavam-se em minha mente, como pensamentos desconexos.

A penumbra não permitia distinguir nem contrastes nem linhas. Um emaranhado de coisas, sentimentos, lugares e lembranças ofuscavam minha mente. Já não podia dormir, e me perdia em visões turvas da realidade. O entardecer poderia trazer algum conforto, talvez a esperança de uma manhã mais lúcida, com cores vivas. Mas voltava meus olhos novamente para fora e as cenas eram as mesmas.

Vez ou outra, demorava-me em alguma árvore florida, promessa de fruto. No mais, eram cinzas e galhos retorcidos. Com o tempo, a distração. E as ideias esvaíam-se como a luz que se dissipa na tarde fria.

Por Joel Pires - Professor, Psicopedagogo (texto e foto) Especial para o Jornal de Sobradinho

5 comentários

Alex disse...

Muito bom o texto. Rápido e eficaz. Direto, preciso e ilustrativo. Parabéns!

Larissa Marques - LM@rq disse...

quase um poema!

colmeia literaria disse...

há várias formas de morte, talvez a mais triste seja aquela da esperança. Mas em como toda morte, há sempre a possibilidade da certeza de um renascer.

Neuza Rodrigues ferreira

Unknown disse...

Amei... O "Eu" profundo desnudo para nos trazer reflexões do que somos, do que fomos, ou do que seremos um dia... "Solidão?" "Percepção?". Importa sentir... E sentimentos mágicos é o que não faltam em tuas palavras...

Anônimo disse...

Agradeço os comentários dos amigos.