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O esotérico e a beata


*Joel Pires

“O meu deus é diferente do seu. Minha relação com ele é pessoal. Não me escondo em liturgias e falso moralismo. O deus que eu sigo tem a humanidade daquele que se fez homem e caminhou entre nós. Não é o deus frio e distante de sua religião decadente e corrompida. É uma questão de foro íntimo e não lhe diz respeito. Por trás de saias e batinas impera a hipocrisia. É muita pretensão achar que o seu deus e sua liturgia valem para todos. O egoísmo aprisiona a fé e a faz capricho de nossa mesquinha vontade. E Deus está acima de tudo isso, não contaminado de preconceitos e teorias.Deus é sabedoria, misericórdia e graça plena. O castigo e a culpa são invenções humanas para inculcar a submissão e a segregação. Deus transcende o bem e o mal.”

Essa foi a resposta do esotérico Zaratustra a uma beata que o abordou na fila do mercado. O comércio é lugar para discutir crença? O capitalismo tem relação com a religião? Não sei se a fé desse personagem resistirá, mas parece haver coerência em sua declaração. Fé tem relação com lucidez? Acreditar no que os olhos não veem é loucura? Mas também não vemos o vento nem o pensamento. A razão é resultante da química cerebral. E a alma? Ela também teria uma base biológica? Até que ponto a genética e o meio social interferem na predisposição religiosa, ou na manifestação da fé?

Quanto a Zaratustra, não concordo com tudo o que ele diz. Eu acredito em Deus, assim como acredito no mistério. A mente humana e o universo são insondáveis. O engenho humano produz a biologia molecular; e o milagre é possível, pela fé. Cientistas se debruçam nisso. E o que se especula sobre Deus são lampejos de uma racionalidade limitada, fragmentada. A ciência ainda não se harmonizou com outros campos do saber. A psicanálise ainda é uma questão polêmica, assim como a literatura. Não há unanimidade ao se estabelecer um parâmetro científico para essas áreas.

Mas há quem reduza a experiência humana à “Potencia de existir”. Livro de Michel Onfray que prega o hedonismo: a busca egoísta pelo prazer imediato. Existem algumas variações dessa visão de mundo conforme a concepção filosófica e sua época, mas o prazer está acima de tudo em qualquer das acepções. O casamento, por exemplo, é visto como um entrave nessa busca da satisfação plena. Não é à toa que, em séries de tevê e novelas, o matrimônio é corrompido, numa “esculhambação” global. Tire o leitor as suas próprias conclusões. O título da obra citada, além de presunçoso, é uma cilada: um sopro e a tal potência vai ao chão.

*Joel Pires é colaborador do Blog e Jornal de Sobradinho.

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