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A FALTA QUE A ARTE FAZ

Por GERALDO LIMA

O esperado realmente aconteceu: picharam as paradas de ônibus, danificando as pinturas feitas pelos artistas da cidade. Parece-me que isso não tem solução, pelo menos a curto prazo. Leis estão sendo elaboradas (até que enfim!) para tornar mais restrito o acesso ao spray (que acaba entrando como vilão nessa história pelo mau uso que vem sendo feito dele): só será vendido a maiores de dezoito anos e com a identificação do RG. Além disso, a nota fiscal emitida terá a identificação do comprador. Eu iria ainda mais longe (não sei se isso está previsto na Lei que tramita na Câmara dos Deputados): cada lote de spray teria uma identificação, um código, o que permitiria rastreá-lo e saber a qual estabelecimento comercial ele foi vendido.

Bom, toda essa movimentação do Legislativo nos anima, mas, levando em conta que as Leis nem sempre são cumpridas no Brasil, é melhor não festejar muito.
Creio que junto com o rigor da Lei deve ser intensificada também a oferta de programas sociais nas áreas de Cultura, Esporte e Educação. È preciso não ter dó de aplicar verbas públicas (cabe também aqui a parceria da iniciativa privada) nessas áreas. O contingente de jovens pichadores é muito grande, e só o trabalho do Picasso Não Pichava e de outros grupos não vai surtir muito efeito. A verdade é que o Estado brasileiro tem se omitido muito na oferta de ocupação para os jovens. Reduziram o tamanho do Estado para nada! Para agravar mais a situação, ao Estado inoperante junta-se a família ausente: o que falta a muito desses meninos que picham tudo o que veem pela frente é alguém que oriente a sua vida, alguém que cobre deles o respeito ao próximo e à coisa pública. Estão sozinhos no mundo. Estão soltos na cidade, agindo do jeito que bem querem. Assim, é preciso cobrar responsabilidade da família também.

A proposta de trabalho do artista plástico Toninho de Souza (atrair os jovens pichadores e transformar seus rabiscos em arte, ou seja, levá-los a uma visão estética da arte) e a do pessoal do Picasso Não Pichava (que vai também no mesmo rumo: transformar os pichadores em grafiteiros) são muito boas, mas devem estar ligadas a outras ações, entre elas o oferecimento dos bens culturais de boa qualidade aos jovens, principalmente aos da periferia.

O grafite há muito deixou de ser marginal. Os grafiteiros Os Gêmeos e Nunca (todos de São Paulo) já ganharam o mundo com a sua arte feita antes só nas ruas, em viadutos, pontes, paredes etc. Agora expõem em galerias europeias. O grafiteiro Nunca, por exemplo, esteve recentemente com uma exposição em Paris e, logo na abertura, no vernissage, já havia vendido oito das doze telas expostas. Os Gêmeos (ou Osgemeos, como costumam assinar) já foram contratados pela Nike para fazer a parte gráfica de um documentário patrocinado pela marca. Ou seja, quando essa atitude de deixar sua marca no espaço urbano ganha status de arte, ou melhor, quando seus executores afastam-se do mero vandalismo e conseguem teorizar sobre a obra que estão produzindo, a coisa muda: o discurso e a prática tomam um sentido positivo.

Assisti, este ano, a uma peça muito interessante que aborda exatamente o universo desses artistas de rua. Chama-se Graphic e foi encenada pelo Vigor Mortis, um grupo de teatro do Sul. Na peça pudemos ver como esses jovens, embora agindo de maneira marginal, furtiva, têm uma noção estética do seu trabalho. Ao uso do stêncil e de outras técnicas gráficas alia-se uma compreensão do efeito artístico da marca que deixam no espaço urbano. Junta-se a isso uma discussão existencial do fato de a vida está cindida entre o querer ser artista, viver da sua arte, e o ter que cumprir uma rotina completamente alienada, longe do universo pelo qual anseiam. É a esse tipo de bem cultural que os nossos jovens da periferia têm que ter acesso. Sem isso, continuarão apenas atentando contra o bem alheio e contra o patrimônio público.

Geraldo Lima é autor dos livros A noite dos vagalumes (contos, Prêmio Bolsa Brasília de Produção Literária, FCDF), Baque (contos, LGE Editora/FAC), Nuvem muda a todo instante (infantil, LGE Editora) e UM (romance, no prelo).

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