COLUNA TEXTOS & TEXTOS por Geraldo Lima
INSÔNIA,
TOSSE E TV
(*) Por Geraldo Lima
"Como
nessa gente sadia, forte, alegre, tudo está equilibrado, como em suas almas e
cérebros tudo está aplainado." (TCHEKHOV, Uma crise)
A noite passada foi pedreira: a
sinusite, que tem me massacrado há três dias, me acometendo de uma tosse
infernal, dessas que, se o sujeito passa dois dias tossindo ininterruptamente,
ele definha, morre, verga sobre si mesmo até desaparecer de dor e fraqueza
extrema. Creio que a coqueluche matava assim, de excesso de tosse, ou não era?
Bom, pensei em driblar os ataques de tosse e acúmulo de catarro na garganta
indo dormir mais cedo, Ã s 22h, mais precisamente. Acordei em certo momento, o
corpo suado e a garganta dolorida pedindo água. Imaginava já ter vencido metade
da noite, mas, para minha derrota, ainda eram 23h.
AÃ, sem sono e com a tosse
voltando pior ainda, fui à cozinha e fiz um chá de camomila pra abrandar minha
vontade desesperada de rachar a cabeça contra a parede. Pra ver se o sono
voltava, resolvi assistir TV. Liguei o televisor e comecei a zapear.
Invariavelmente estaciono no Arte 1. Ia ficar por ali até o sono voltar e a
maldita tosse sumir. Estavam exibindo um documentário sobre o fotógrafo
estadunidense David LaChapelle, que faz umas fotos bem bizarras, usando tipos
extravagantes, exóticos, fora do padrão de beleza comumente aceito. Algumas das
suas fotos são bem chocantes, mas o propósito dele é este mesmo: ir contra o
lugar-comum da indústria de entretenimento e moda. Há quem goste, há quem
deteste. As feministas costumam atacá-lo com veemência. Mas o cara tem aquela
obsessão estética e aquela ousadia temática que costumam marcar os grandes
artistas.
Acho que minha insônia ficou
mais desperta depois de eu assistir ao documentário: aquele mundo, entre o
grotesco e o sublime, me abalou. Como costumo fazer também, zapeei e fui bater
no Canal Brasil. Depois de um longa nacional ruim, desses que nem a sinopse
bate com o que é exibido, veio um curta bem bacana. Vi o longa ruim até o final
e, para minha decepção, a insônia ainda estava lá. Na sequência, um longa de
ficção, de baixo orçamento, como o anterior, e filmado em digital, dos jovens
cineastas paulistas Andradina Azevedo e Dida Andrade. Os rapazes ganharam dois
prêmios em Gramado, em 2013: melhor diretor e melhor fotografia. Os dois
escreveram o roteiro, dirigiram e interpretaram os protagonistas. Chama-se A
Bruta flor do querer. Pensa num filme bom, desses que jamais serão exibidos na
Sessão da Tarde, mas que foi massacrado por parte da crÃtica. Feministas
atacaram o suposto machismo em algumas de suas cenas; crÃticos execraram a
metalinguagem, essa coisa do filme dentro do filme, e o coloquialismo dos
diálogos, vistos como superficiais. O filme tem seus defeitos sim [o áudio à s
vezes é ruim], seus excessos [sexo explÃcito poderia ser descartado], mas daà a
não enxergarem nele uma proposta arrojada de fazer cinema é dessas coisas que
nos espantam. É um olhar jovem sem medo de se aventurar na estética e na
temática. Acharam muito afetada a interpretação do Dida Andrade; eu gostei. De
quebra, o cara nos lembra, às vezes, de certos ângulos, o cineasta baiano Glauber
Rocha. Há situações que nos arrastam para dentro da angústia existencial do
personagem, um desses tipos nascidos pra perder. Dói. Comove. Às vezes arranca
risos. É desses filmes que exigem entrega e paciência do espectador.
Ah, e a tosse e a insônia? Às
três da madruga, a tosse havia cessado; já a insônia, mesmo dando sinais de
fraqueza, ainda me atormentava. Aproveitei e caà na cama. Tinha que acordar à s
oito da manhã para tomar o antibiótico, rigorosamente fiscalizado pela minha
esposa, que sem ela eu já teria sucumbido há tempos. O bom de tudo isso é que,
pra curar meu estado debilitado, ganhei café da manhã na cama. E antes que
alguém veja nisso submissão dela ou machismo da minha parte, saiba que retribuo
na mesma proporção de gentileza e afeto.
(*) Geraldo Lima (foto) é escritor,
dramaturgo, roteirista e colabora com o Jornal de Sobradinho.
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