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A TERCEIRIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA



Henrique Matthiesen
Empresto o título deste artigo do amigo Professor Carlos Michiles, Ph.D. em Filosofia, que, em meio às suas palestras, utiliza esta expressão de forma reflexiva na lógica do retrocesso conceitual em que contemporaneamente vivenciamos.

Quanto mais conhecemos, mais nossa ignorância se dilata. Este é um dos contrassensos da ciência e do conhecimento em geral. Quanto mais sabemos sobre algo, mais identificamos o quanto não sabemos sobre aquilo mesmo.

Contrassenso, mas perceptível que na era da informação veloz e instantânea, perdemos a capacidade da ponderação e do conhecimento intrínseco, essencial à inteligência e à racionalidade humana.

Informação não é conhecimento, uma vez que os atributos que trazem a informação são muitas vezes rasos, manipuladores, imponderáveis, e sem o senso crítico que serve aos desígnios de quem os fornecem.

No conhecimento é importante frisar dois elementos essenciais: o sujeito (cognoscente) e o objeto (cognoscível). O cognoscente é o indivíduo capaz de adquirir conhecimento, ou aquele que possui a capacidade de conhecer. O cognoscível é o que se pode conhecer.

Sucessivamente, não existe conhecimento sem a maturação crítica, sem a análise criteriosa, sem a reflexão analítica dos aspectos ativos.

A questão hoje é que, na era do fast food, onde queremos tudo de forma instantânea, vamos perdendo a capacidade de adquirir o conhecimento que necessita de tempo e amadurecimento para alcançá-lo, o que nos leva ao retrocesso da ignorância e interfacemente à brutalidade primitiva.

Essa lógica da informação, sem conhecimento, numa sociedade cada vez mais primitiva e brutalizada pela estupidez e por conceitos mais nobres de coexistência, um dos primeiros conceitos marginalizados e renegado, é a ética.

Sociedade sem ética é a difusão da seletividade do domínio intelectual dos donos de conhecimento e dos fornecedores, apenas de informações.

Conformamo-nos apenas em sermos meros reprodutores da informação, desinformantes da perpetuação da manipulação e da renúncia paulatina do conhecimento.

O exercício do conhecimento requer transpiração, tempo, disciplina, o que não é plausível em meio à futilidade imposta pela ordem estabelecida, que nutre ojerizas de um povo culto possuidor de conhecimento, que se torna perigoso, crítico e subversivo por não mais aceitar ser massa de manobra. Sim, o conhecimento é libertário e revolucionário.

Neste contexto, terceirizamos o hábito do raciocínio, da busca do conhecimento e do espirito crítico. Delegamos de forma irresponsável e imponderada esta tarefa aos boçais intelectuais de conceitos retrógrados e amordaçados pelo preconceito e pelo conservadorismo.

Aceitamos passivamente o conceito ético seletivo, a brutalidade de classes, o fundamento torpe de que devemos ser meros coadjuvantes de nossa própria existência, e não podemos questionar a ordem estabelecida.

Denegamos a solidariedade, a humanidade, a liberdade, para sermos escravos do conhecimento alheio.

Esta é uma chaga que se abate inexoravelmente na sociedade que vive o retrocesso de valores, retroagindo ao primitivismo de uma era, não de conhecimento, mas de profunda ignorância.
 

Por Henrique Matthiesen - Advogado e colaborador do Jornal de Sobradinho  - Edição 304 de Agosto - ref a primeira quinzena.

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