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VENDE-SE FELICIDADE


*Joel Pires

Hoje é comum o uso indiscriminado de medicamentos. Doeu, toma remédio. Coçou, lá vai pomada. Espirrou, antigripal. Os comprimidos são vendidos como alento a qualquer mal-estar, inclusive a tristeza. Indisposição física e espiritual também é “combatida” com o uso de pílulas milagrosas, é o que reza a nova cartilha médica.

Mas tristeza nem sempre é depressão. Ansiedade também é indignação. Na tentativa de dominação ideológica, inculcam-nos que fármacos podem solucionar todas as dores. Em algumas farmácias, ainda nos perguntam, ao final das compras, se queremos algo mais! Eu digo sempre: “Graças a Deus, não!”. Há fissuras na alma para as quais nenhum remédio é eficaz, que nenhum médico dá jeito, como constata poeticamente Fernando Pessoa:

“Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.”

No entanto, diante do menor sinal de dor, corremos ao clínico em busca de cura, como se o alívio só estivesse disponível em cápsulas. Vivemos a cultura do espetáculo e a ditadura da felicidade. E esquecemos que temos reações naturais às dificuldades existenciais contemporâneas. Não somos obrigados a viver em constante estado de felicidade plena. Aliás, isso não existe, mas querem nos empurrar goela abaixo, literalmente.

Numa sociedade de consumo como a nossa, é bom entendermos a lógica a que estamos submetidos. “Na sociedade contemporânea, remédios são com frequência usados como símbolo de alegria ou fuga de reações comuns a situações adversas, presentes na vida de qualquer pessoa”, expõe esclarecedoramente Maria Silvia Bolguese, professora, psicanalista e escritora.

O fato é que não se pode comprar a felicidade. Apesar de ser um clichê, é uma reflexão necessária. Sobretudo porque os avanços da sociedade industrial e o progresso tecnológico e científico tendem perigosamente para uma manipulação ideológica. O que está em jogo é a lógica do capital. Tudo vira produto. “Vende-se” inclusive a felicidade. Pessoas tomam remédios por toda a vida, quando na verdade a cura é possível não apenas pelos fármacos, mas também pelo poder da Palavra, no caso da dor emocional e espiritual.

Por Joel Pires - Professor, psicopedagogo e colaborador do Jornal de Sobradinho / foto google images

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