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DEU NO CORREIO BRAZILIENSE: "Nem tudo está superado", diz Agnelo Queiroz em entrevista


Governador faz balanço dos três primeiros meses, afirma que os passivos encontrados dificultam a retomada da normalidade administrativa e aposta na Copa de 2014 para impulsionar a economia



Por Helena Mader, Juliana Boechat, Lilian Tahan e Marcelo Tokarski


Cem dias é um marco para a gestão de todo governante. Costuma ser a primeira etapa passível de avaliação. Chefe do Executivo no Distrito Federal desde janeiro, Agnelo Queiroz (PT) completa o período com a autocrítica de que fez o possível, mas com a certeza de que o tempo foi curto para colocar o GDF em ordem.

Em entrevista ao Correio, o petista diz que passou de 17 a 18 horas por dia dedicado a retomar a normalidade na capital do país. “Nem tudo está superado. A arrumação da casa levou muito mais tempo do que imaginávamos”, afirma. Agnelo justifica que pegou um governo descarrilado, sem gestão: “Ainda estamos assentando a poeira. Ainda há coisas que exigem negociação”.

Do que foi possível fazer, Agnelo destaca a inauguração da UPA de Samambaia, o conserto da Ponte JK, a reforma em 300 escolas, pavimentação em Vicente Pires. Mas relata burocracia para o andamento de obras importantes, como a do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), que ainda sofre com pendências jurídicas.

O chefe do GDF estima que a demora para o início dessa obra pode gerar prejuízos. “Se há problemas, vamos dar oportunidade para a realização de uma nova licitação. A cidade não pode ser penalizada”, diz. Agnelo afirma que mantém como prioridade terminar uma por uma das obras iniciadas em gestões anteriores. “Nosso objetivo é liberar os empecilhos e concluir o que não foi feito.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Muitas obras ainda estão inacabadas. O senhor vai concluí-las?
Sim, uma por uma. É evidente que devido a toda essa crise e com tantas irregularidades, fomos obrigados a examinar com lupa esses contratos. Alguns estão sendo auditados, outros têm pendência legal e exigem a solução antes da retomada da obra. Mas nosso objetivo é liberar os empecilhos e concluir o que não foi feito. Se houve investimento e a população já gastou dinheiro, o pior prejuízo é deixar a obra parada. Se a pendência requer resposta por alguma irregularidade, o responsável terá de prestar conta de eventuais erros na Justiça.

Quais obras são prioridade?
Há muitas. A Linha Verde, por exemplo, é uma obra inacabada, que requer poucas intervenções para ser concluída. Há necessidade de completar essa obra com rapidez para não haver erosão, já que não plantaram grama ou qualquer estrutura para segurar as encostas. Ela faz parte do programa de mobilidade urbana e sofre com estrangulamento no centro de Taguatinga e na Octogonal. A obra só alterou o local do engarrafamento. Agora é preciso fazer acesso amplo para Ceilândia, para garantir fluxo rápido até a Linha Verde, e completar a obra até o Setor de Indústrias, saindo no Eixo Monumental, com um ramal de ligação com o Metrô na Asa Sul. Primeiro vamos concluir obras que foram licitadas e não ficaram prontas. Outra etapa é fazer licitações, como dos ônibus. O corredor de ônibus só será efetivo se completarmos obra tanto para Ceilândia quanto para o Setor de Indústria e para o Setor Policial Sul.

Qual a principal obra do seu governo até aqui?
A inauguração da UPA é muito importante. A estrutura estava pronta, mas tivemos que reformá-la, como estamos fazendo com as outras duas que serão inauguradas em breve. O conserto da Ponte JK também foi medida rápida e necessária que tomamos, por conta de oito anos sem manutenção. Fizemos reforma em 300 escolas, recuperação de vias, executamos a pavimentação em Vicente Pires. Antes, a cidade era só buraco e agora houve grande melhoria. É claro que ainda é preciso construir o sistema de drenagem, mas já avançamos.

Como estão as preparações para a Copa do Mundo de 2014?
Nosso grande avanço foi a superação das pendências jurídicas para retomar a obra do Estádio Nacional. Essa construção vai ser de grande importância para a cidade. Mas não apenas para esse evento, e o estádio entra nesse raciocínio. Vamos fazer um estádio para os próximos 50 anos e não apenas para a Copa. Brasília precisa de um grande palco multiuso para entrar em um circuito internacional de espetáculos. Hoje, é uma vergonha. Quando recebemos grandes cantores internacionais, realizamos o show em um estacionamento, onde qualquer chuva acaba com o evento e traz um grande constrangimento para o DF. Vamos fazer a Copa das Confederações em 2013 e a sede da Copa do Mundo de 2014. Se vamos abrir a Copa (do Mundo) ou não, isso não é definitivo. Queremos fazer a Copa América em 2015 e ser parte das competições de futebol das Olimpíadas de 2016. Ainda somos candidatos a sediar a Universiade, que é uma olimpíada universitária. Vamos fazer a licitação do terreno da 901 Norte, com a ampliação do Setor Hoteleiro e criar 3.500 leitos de hotéis. Haverá investimento de R$ 749 milhões na ampliação do terminal de passageiros do aeroporto e o investimento na mobilidade urbana, para resolver problemas do transporte público. Faremos grandes corredores exclusivos de ônibus, metrô e o VLP (Veículo Leve sobre Pneus). Faremos o corredor Sul, que liga o Gama ao centro de Santa Maria, e o corredor de Planaltina ao centro de Sobradinho. A ampliação do Metrô inclui a criação de mais 6km de linha férrea. Tudo isso faz parte de um projeto de investimentos de R$ 2,4 bilhões em transporte e mobilidade urbana nos próximos quatro anos.

Como está o andamento das obras do Veículo Leve sobre Trilhos?
Queremos ter um veículo moderno, compatível com a pujança da nossa cidade e que ligue o aeroporto ao sistema de transporte rápido. Nosso terminal hoje é o terceiro em movimento do Brasil, com 40 mil pessoas circulando diariamente. Há uma pendência jurídica que precisa ser resolvida rapidamente sob o risco de um prejuízo brutal para Brasília. Se houver demora, a cidade perderá investimentos. Temos R$ 1 bilhão para fazer essa obra, R$ 400 milhões do governo federal e R$ 600 milhões da agência francesa. Se há problemas, vamos dar oportunidade para a realização de uma nova licitação. A cidade não pode ser penalizada.

O senhor imaginava a gravidade da saúde no Distrito Federal?
Como sou da área, dava para perceber que estávamos vivendo situação de absoluto caos, não havia outra saída a não ser decretar emergência, criar gabinete de crise, que ainda está em funcionamento. Encontramos a situação dramática, desabastecimento total, infraestrutura deteriorada. No Hospital do Gama, estava chovendo dentro do prédio. Eu estive lá e vi essa situação de perto. Em Taguatinga, o hospital estava mofado, com infiltrações. Em Ceilândia, o Pronto-Socorro estava fechado por causa de infestação de piolho de pombo. No Hospital de Base, o terceiro e o sétimo andar estavam fechados, equipamentos importantes estavam guardados nos corredores havia mais de dois anos. A farmácia central era depósito de medicamentos com temperatura inadequada, com roubo de material. As emergências estavam lotadas porque não temos atenção primária.

O senhor alcançou os objetivos traçados para a Saúde nesse início?
Posso dizer que já tomamos muitas medidas emergenciais para amenizar essa situação e, ao mesmo tempo, estamos tomando medidas mais estruturais com efeito a médio prazo. Precisamos de gente para fazer atenção primária, para trabalhar nas 14 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). As do Recanto das Emas e de São Sebastião serão as próximas. Com a conclusão da reforma do centro cirúrgico, a emergência do Hospital de Ceilândia operou mais de 400 cirurgias em três meses. O Pronto-Socorro de Planaltina está em reforma e autorizamos a entrega de 120 leitos em dois andares do Hospital de Base por R$ 7 milhões. Aumentamos 60 leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), para minimizar um grande gargalo. O abastecimento (de medicamentos) avançou, não há mais aquela carência absoluta de tudo. Estamos informatizando a rede toda, fazendo concurso para garantir a atenção primária. Estamos domando a área, mas é claro que é um período muito curto para recuperar o estrago. O centro de politraumatizados do Hospital de Base será inaugurado no aniversário de Brasília e terá padrão da rede particular. Já começa a haver uma mudança, a essência é essa.

Os hospitais do DF têm de lidar com a demanda do Entorno. Como resolver esse problema?
Temos que integrar a saúde pública daqui com a do Entorno. Já conversei três vezes com o governador de Goiás (Marconi Perillo), com participação, inclusive, do ministro da Saúde (Alexandre Padilha). A saída é uma intervenção conjunta e organizada, para que haja atenção primária e a construção de UPAs. Não adianta repassar o recurso, porque eles usam esse dinheiro para comprar ambulância e transferir os pacientes para cá. Teremos que fazer gestão integrada com os municípios do Entorno.

A questão da segurança no DF está relacionada às condições precárias das cidades do Entorno?
Na segurança, também precisamos de integração com o Entorno e com o governo federal. A capital do país tem que ser uma cidade segura, com combate ao tráfico. Luto por isso desde o início do meu mandato.

Que ações foram tomadas para combater o crack?
O combate ao crack requer ação integrada, por isso já estamos oferecendo leito para usuários e dependentes, organizando ações educativas com a Secretaria de Justiça, providenciando casas para tratamento de pacientes dependentes. Paralelamente, investimos na repressão, que é essencial. O efeito já é perceptível. Não tenho dúvidas de que, com ação continuada, os criminosos vão perceber que não vão poder se instalar no DF. Mas a ação tem que ser integrada com o Entorno, não adianta só empurrar os traficantes para lá.

Quais as principais ações de segurança pública?
Destaco ações ostensivas e melhoria no policiamento. Além disso, estamos no processo de formação e capacitação de mais mil policiais. Em janeiro, tivemos redução de 44% dos homicídios, em comparação com o mesmo mês do ano passado. Mas precisamos de um prazo maior, para descartar que esse efeito é sazonal. Entreguei viaturas e motos, temos ônibus aparelhados e vamos adquirir equipamentos importantes do ponto de vista de tecnologia, como câmeras. A segurança é o segundo maior problema, depois da saúde. A garantia da segurança está relacionada à proteção da vida das pessoas.

O governo começou em um contexto de grave crise política. O senhor acha que já conseguiu descolar seu governo da Caixa de Pandora?
Com certeza. Conseguimos mostrar à sociedade que somos um governo transparente e que repudia com veemência qualquer ato que não seja republicano. Criamos a Secretaria de Transparência, que envolve todos os órgãos vinculados de controle, criamos 50 medidas de transparência. Estamos fazendo investimento financeiro para garantir o acompanhamento da sociedade, para que cidadão possa fiscalizar. A própria revisão dos contratos e a suspensão do Pró-DF mostram nossa intenção. Estamos enfrentando esse problema em todas as áreas. Estamos recuperando a credibilidade do setor produtivo. A retomada das relações republicanas no governo está aumentando a confiança e a credibilidade e atraindo os empresários. Recentemente, me reuni com um grupo grande de hotelaria, que sempre quis se instalar aqui, mas afirmou que agora é possível. Antes, havia uma espécie de reserva de mercado, ou seja, para entrar no DF era preciso pagar ou se associar a empresários daqui. Empresas de fora tinham grande dificuldade de se instalar aqui e isso atrasou o nosso desenvolvimento. Com a reformulação do Pró-DF, vamos trazer o desenvolvimento definitivo para o DF.

Essa reformulação desagrada empresários. A pressão gerou a primeira baixa no alto escalão do governo, justamente na Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O senhor também tem sofrido pressão?
Com relações transparentes e de competitividade, sem pedágios e sem relação promíscua, a tendência é de fortalecimento e de crescimento da economia. Os empresários estão com uma expectativa muito boa. Eu estava muito satisfeito com o secretário anterior (José Moacir Vieira), que veio com coragem e determinação para romper com as práticas até então vigentes. Por isso, ele sofreu pressões, ameaças. Mas demos todo o respaldo, inclusive colocando uma estrutura de segurança dentro da secretaria. Mas aí entram os limites pessoais, os fatores familiares. Pelo mérito, ele estava correto e essa política vai continuar.

Como está a relação com a Câmara?
Estamos construindo uma relação nova, com base na política e no diálogo. As relações baseadas em questões maiores, em interesses públicos, são mais difíceis de serem construídas. Mas é mais saudável e correta, representa o único caminho que temos. Já disse que jamais repetiria relações mantidas antes, de compra de parlamentares. Nunca farei isso, até porque quem fizer isso uma única vez estará liquidado. E eu percebo que é interesse de grande maioria da Câmara de construir uma relação saudável, com postura independente no campo das ideias. Tenho direito de lutar por uma base de apoio sólida, que legitimamente vai participar do governo com suas indicações e ideias. O que jamais farei é pagar e negociar a cada votação. A cidade já viveu isso e é uma prática que jamais deve ser repetida. Se tiver que debater, trocar ideias, vamos antecipar as discussões, mandar secretários para a Câmara para tirar as dúvidas. Demora mais, mas as relações são mais sólidas e saudáveis. No caso do Plano Diretor de Transportes, por exemplo, vamos debater esse assunto, que é importante. Topo discutir, mas precisamos aprovar esse projeto, que prevê R$ 2,4 bilhões de investimentos em mobilidade. Eu percebo uma mudança de comportamento para a construção de uma relação madura e independente, que vai valorizar a Câmara e o Executivo.

A área de habitação esteve envolvida em escândalos recentes. Será difícil retomar a credibilidade?
Estamos implantando uma política de moralização da área. Começamos uma campanha de legalização. Mais de um terço da cidade está na ilegalidade, sujeita a problemas. Temos que enfrentar essa parte da legalização e fazer as habitações. Nossa meta é incluir o DF no programa Minha Casa, Minha Vida de forma maciça. Nos próximos dias, vamos anunciar a construção de 5 mil habitações no Riacho Fundo. Não tenho dúvida de que, com a revisão da lista de espera, com a moralização da área, nossa população passará a acreditar na nossa política de habitação. A regularização é uma grande prioridade. Fizemos a legalização da primeira etapa do Sol Nascente, que vai permitir investimentos de R$ 250 milhões em infraestrutura. Lá é uma área carente, sem praças, sem equipamentos públicos e, a partir de agora, vamos mudar essa realidade.

Administrações regionais também se transformaram em focos de
corrupção. O senhor tem controle das administrações?

Havia administrações inchadas, com mais de 400 funcionários, que nem cabiam nas salas. Vamos profissionalizar as administrações e melhorar o salário dos cargos técnicos. Confiamos nos administradores que indicamos e vamos fazer acompanhamento semelhante ao das secretarias, com transparência total. Para o aniversário de Brasília, faremos cerca de 200 obras nas cidades e tudo poderá ser fiscalizado pela sociedade. Vamos filmar as licitações e colocar no site do governo, e vamos oferecer essas informações ao Tribunal de Contas.

Quais foram os maiores avanços na área da educação?
Contratamos 400 professores concursados, chamamos 100% dos profissionais do edital, o que é raro. Temos o menor número de professores temporários do Brasil e em um período muito curto vamos usar os professores temporários apenas para substituir efetivos em férias, licença-saúde ou que estão em cargo de direção. Estamos trabalhando com o Ministério da Educação para implantar 50 creches ainda neste ano, cada uma para cerca de 220 crianças. As unidades serão distribuídas pelo DF e vamos ampliar as parcerias com instituições que têm creche.

O senhor conseguiu alcançar as metas nessa área nos primeiros 100 dias de governo?
Diante da gravidade da situação do DF, fizemos o possível. Nestes três meses, trabalhamos 17, 18 horas por dia. A maior parte desse tempo foi destinada a tentar retomar a normalidade da cidade. Há coisas em curso, nem tudo está superado. A arrumação da casa levou muito mais tempo do que imaginávamos. Não havia gestão, não havia documentos, era muita irresponsabilidade. Ainda estamos assentando a poeira, ainda há coisas graves que exigem negociação.

Fonte Correio Braziliense (texto e foto - veja matéria original clicando no título desta entrevista).

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